sexta-feira, 6 de junho de 2008

III Promessa e Planeamento


A Quinta da Serra sofre do sindroma dos pobres que ocupam territórios ricos e apetecíveis. O valor do terreno ocupado pelo bairro não se mede exclusivamente sobre o seu valor intrinseco mas também pelas suas externalidades positivas. De facto, o impacto  sobre a área circundante pelo desaparecimento do bairro é muito elevado devido à percepção de violência e insegurança que os habitantes do Prior Velho tem relativamente ao bairro da Quinta da Serra. Uma leitura interna e estigmatizante dessa percepção faz com que as crianças na escola ou os jovens e adultos à procura de emprego nunca digam que vivem na Quinta da Serra mas sim no Prior Velho.

A aproximação mais óbvia ao problema da habitação do Bairro pareceria ser procurar identificar as mais valias expectáveis directas (descontandas as externalidades positivas) e partilhar essas mais valias com a comunidade para resolver o problema do realojamento. No limite inferior  essas mais valias podiam ser calculadas pelo impacto temporal da redução do tempo de saída das populações. Numa solução negociada com compromissos partilhados entre o Promotor, a Câmara, o Estado e os moradores a libertação do terreno poderia ser feita em meses em vez de anos. O valor da antecipação temporal é fácil de calcular a partir duma avaliação independente do preço do terreno.

Paradoxalmente, ou talvez não, esta aproximação encontrou mais eco entre o promotor imobiliário do que na Câmara Municipal de Loures.

Quando em 1998  a Câmara de Loures decidiu  o realojamento da população numa parcela do espaço ocupado actualmente pelo bairro isto corespondia a uma tomada de decisões participada pela  população através da Associação Sócio Cultural da Quinta da Serra. Tendo o projecto abortado após as eleições autarquicas o processo foi sendo conduzido com quase total opacidade e sem participação.

Podemos planear para a cidadania, planear para a competividade ou planear para "o boneco". 

Começando pelo ultimo tipo: Sistemas de planeamento  muito complexos feitos de cima para baixo em ciclos que ultrapassam os ciclos eleitorais. Sem conhecimento de terreno que os permitam operacionalizar, sem narrativas, sem inteligibilidade, sem subsidariedade e legitimados pelo discurso da falta de participação.

Antoine Bailly pode ser o inspirador dum planeamento para a cidadania que exalta o processo pelo menos tanto como os resultados. A Suiça pode se uma referência não tanto por o modelo ser replicável mas pelo código genético da semente poder dar frutos noutra terra.

Podemos dividir o Planeamento para a Competividade em dois sabores: 
- O primeiro baseado na teoria da competitividade da cidade purificada ( vidé conferência de Lopez Trigal).
-O segundo baseado na teoria da competitividade da cidade diversa inspirada em Richard Florida (vidé conferência de Ricardo Mendez).



III. Identidade: Cidadania versus Irmandade


A Identidade, seja individual seja colectiva, forja-se em dois movimentos distintos que se alimentam mutuamante. Um dirige-se ao passado e às memórias, outro dirige-se ao mundo e ao encontro com o "outro". As narrativas individuais e colectivas são já um produto da acção da identidade sobre a memória, pesquisa e exaltação das relevâncias que são o resultado do exercício da vontade. A formação da identidade exige uma esfera pública em que o encontro com o "outro" revele aquilo que existe de diferente em nós. Quanto mais "mundo" esse encontro tiver, mais essa diferença se poderá afirmar como única. À medida que avançamos no mundo avançamos na nossa narrativa e crescemos na ideia de nós próprios como sujeitos políticos.

No Bairro da Quinta da Serra , começámos em 2007 a agir no domínio da memória e narrativas. À  medida que avançávamos fomos pressentindo o que pode acontecer se esse movimento fôr feito na ausência ou deficit de mundo: pouco a pouco emergem vínculos de exaltação de uma pertença sectária. O "nós contra o mundo" corresponde a uma hipervalorização da nossa "identidade" relativamente ao "outro", que desconhecemos e não queremos conhecer. Neste contexto, as possibilidades de exercício de violência sobre o "outro" são grandes e emerge uma narrativa muito mobilizadora que o caminho se faz contra a diferença e o outro. Esta descoberta fez-nos olhar para fora do bairro.

O Cinema: O caso dos Lanternistas.

A Música: O caso Adilson Moreno aka Kotalume   o caso Arikson aka Matraka.



quinta-feira, 5 de junho de 2008

III. Memória e Narrativas versus Diagnóstico Exógeno


Em Ambuduco na minha tabanka- Desenho de Junilto Netchemo

Confrontadas com a perda de memória as comunidades imigrantes perdem a liberdade de agir. São possíveis duas pistas de acção que se complementam, uma de inventariação e fixação das memórias através das histórias dos sujeitos e das comunidades. Outra a da narrativa das palavras e actos revelantes. Uma como outra são uma resistência à erosão do tempo uma fonte de inspiração para acções futuras, sendo esta uma das funções da Polis como esfera  pública.  

Ao mesmo tempo são o processo segundo o qual se revela a identidade do actor a qual só de efectiva plenamente a posteriori, a partir da narrativa socialmente aceite sobre o actor e a sua individualidade: contar a história dá significação à acção quer para os actores quer para os espectadores. A construção da memória e das narrativas assume-se como um processo endógeno que sustenta a acção, em oposição ao diagnóstico exógeno que sustenta vínculos e relações instrumentais.


A dinâmica local: Bitchu di Conto

A dinâmica global: Esperança, Memória e Narrativas e "A Guerra" de Joaquim Furtado


III. A Geração da Esfera Pública

II. A Pergunta: Mudar a Condição



Hannah Arendt reconhece a importância do contexto, da circunstância, mas acredita que cada ser humano tem a possibilidade de mudar esse contexto. Arendt assume isso como uma possibilidade de transcendência ligada à natureza humana. Desta forma Arendt sugere uma divisão entre condição humana (título da sua magnum opus) e a natureza humana assumindo a discusão desta como uma questão teológica porta que propositadamente mantém fechada.

A possibilidade de transcendência, de mudar a condição pressupõe estar na companhia dos homens (inter homine esse), estar na "esfera pública".

O que fazer no deserto? na ausência de mundo?

II. As Perguntas

Ao longo da vida do projecto À Bolina foram surgindo duas ordens de questões:

1. Como intervir ao nível do público alvo do projecto, crianças e jovens, sem considerar as suas familias e o contexto do bairro? A Economia, Saúde, Habitação no Bairro, O Medo e a Violência no Bairro? Como intervir ao nível das consequências sem iludir as causas?

2. Como agir ao nível do contexto do bairro sem considerar a dimensão da cidade e a dimensão global? Como intervir ao nível das consequências sem iludir as causas?

estas 2 perguntas foram-nos conduzindo a 5 outras:

1. Qual a eficácia (gera coisas) e fecundidade (gera seres) do nosso modelo de intervenção?

2. Quais os limites dos instrumentos de apropriação do real baseados nas ciências sociais? O papel do diagnóstico social como ponto de partida da intervenção? O papel do planeamento que enfatiza os resultados sobre o processo? Como sentir o bairro "por dentro" sem perda de alteridade?

3.Em que medida o modelo reproduz e legitima o "status quo"? O paternalismo que gera dependência. Uma "capacitação" em que se dá com a mão esquerda umas migalhas da fatia de bolo que se tirou com a mão direita?

e numa pespectiva global:

4. O trabalho social em territórios em riscos de exclusão não legitima a cidade dualista ou polarizada?

5. Sem a dimensão política a intervenção social tende sempre para o neo-assistencialismo?

Não temos a intenção (ou arrogância) de dar respostas no nosso relatório de tese a estas perguntas. O testemunho do À Bolina é apenas aquilo que é, um exemplo de uma prática sobre a qual fomos reflictindo à luz da teoria política de Hannah Arendt.

I. Apresentações: Hannah Arendt



Arendt sempre rejeitou o rótulo de filósofa porque do seu ponto de vista a filosofia trata do homem e ela sempre preferiu abordar as questões dos homens, isto é, da teoria política.
Judia Alemã nascida em 14 de Outubro de 1906 em Linden, Arendt resiste à subida do nazismo na Alemanha. Presa e interrogada pela Gestapo consegue fugir para França onde colabora com a rede de refugiados judia. Em França conhece Walter Benjamin primo de seu segundo marido Gunther Stern. Presa de novo na França ocupada é enviada para Gurs um campo de concentração nos pirineus franceses:


"Gurs, une drôle de syllabe, comme un sanglot qui ne sort pas de la gorge." Louis Aragon

Tendo escapado de Gurs Arendt procura refúgio nos Estados Unidos da América, país onde irá passar a maior parte da sua vida tendo em 1950 adquirido a nacionalidade americana.

Apesar de ter voltado várias vezes à Alemanha no pós-guerra é nos Estados Unidos que Hannah Arendt vai desenvolver a sua actividade de investigação e académica tendo leccionado nomeadamente em Princenton, Chicago, Yale, California e na New School de Nova Iorque.

Martin Heidegger, Santo Agostinho e Karl Jaspers são as suas primeiras grandes influências. Heidegger foi seu professor de filosofia em Marburg, a sua primeira tese é sobre o conceito de amor em Santo Agostinho sob a orientação de Jaspers. Os Pré-Socráticos, Platão, Sócrates, Aristóteles, Jesus, Maquiavel, Montesquieu, Tocqueville, Marx e Benjamin são possivelmente as suas principais referências.

Hannah Arendt morre em 4 de Dezembro de 1975 em Nova Iorque.

"Não tenho nenhuma filosofia política que possa resumir por um termo ismo"

http://oquestamosafazer.blogspot.com/2007/10/hannah-arendt-i.html

Da obra de Hannah Arendt destacamos:

"As Origens do Totalitarismo" (19519
"A Condição Humana" (1958)
"Eichmann em Jerusalem" (1963)
"Da Revolução" (1963)

e um livro póstumo "The Life of The Mind" (1978) organizado pela sua amiga Mary McCarthy.

A Condição Humana possívelmente a Magnum Opus de Hannah Arendt é a grande inspiradora da acção do À Bolina.

I. Apresentações: A Quinta da Serra




"A Quinta da Serra, freguesia do Prior Velho, Conselho de Loures, Distrito de Lisboa é um bairro de barracas habitado, predominantemente, por descendentes de imigrantes provenientes do Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. As prioridades do projecto emergem do diagnóstico efectuado pela Rede Social que define como principais problemas a Habitação, a Pobreza, a Destruturação Familiar e a Falta de Equipamentos Sociais. Pretende-se combater ao nível das crianças e jovens e das suas famílias as consequências destes problemas sem iludir as suas causas." da Candidatura

Quinta da Serra: 1600 pessoas das quais 1000 do sexo feminino. 223 familias abrangidas pelo PER -Plano Especial de Realojamento. 86 familias fora do PER . Dados 2005

I. Apresentações: O Projecto À Bolina



O " À Bolina" (*) é um projecto que tem como missão a promoção da Inclusão Social das crianças e jovens do Bairro da Quinta da Serra, agindo predominantemente ao nível da Inclusão Escolar, da Capacitação para a Intervenção Cívica e Comunitária e da Inclusão Digital e supletivamente ao nível da Formação Profissional." In Candidatura

Promotor: Associação Sócio Cultural da Quinta da Serra.
Parceiros: Junta de Freguesia do Prior Velho, Câmara Municipal de Loures, Agrupamento Complementar de Escolas Prior Velho Sacavém, Paróquia do Prior Velho.

Projecto financiado pelo ACIME/ACIDI Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Ètnicas (agora Diálogo Intercultural).

Inicio da Projecto: Novembro de 2006. Terminus previsto: Outubro 2009.

(*)"Bolina, Navegar à - técnica de navegação contra ventos não favoráveis" - Wikipédia